quinta-feira, 27 de maio de 2010


LINDA MASCARENHAS

Pedro Onofre

Em Alagoas não havia atividade teatral na primeira metade do século, salvo tentativas amadoristas isoladas, sazonais, incentivadas em momentos de festa, pelas escolas e entidades de cultura artística. Mas, na segunda metade da década de 40, alguns jovens se reuniram em Maceió, na busca de formar um movimento estável. Esses jovens tornar-se-iam os precursores de uma atividade que eclodiria na capital alagoana, na década de 50, com reflexos no interior do Estado. Integravam o grupo, entre outras pessoas, Nelson Porto, Ademar Paiva e Lima Filho. Este último iria dirigir em 1945 o rádio-teatro na Difusora de Alagoas, emissora, à época, recentemente inaugurada. Referidos rapazes procuraram uma professora ligada aos movimentos da Igreja e às atividades artísticas e sociais para liderar o grupo que eles buscavam criar. Chamava-se Laureada, conhecida como Linda Mascarenhas, filha de uma prestigiosa família da classe média de Maceió, de onde surgiram oficiais superiores das Forças Armadas Brasileiras. Linda tinha entre seus hábitos, a boa leitura. Lia textos dramáticos, especialmente clássicos. Era poetisa e já havia escrito, na época, entre outros trabalhos, uma opereta e uma peça de teatro. Em 1950 foi criado o Teatro de Amadores de Pernambuco, sob o comando de conceituada família de médicos e professores universitários. Entre estes mereciam destaque o escritor médico e professor Waldemar de Oliveira e seus irmãos Walter e Alfredo. Eles disseminaram o Teatro no Nordeste, tendo laços mais estreitos em Alagoas. Naquele ano, o incipiente grupo conduzido por Linda Mascarenhas agregou novos integrantes, como o engenheiro e superintendente da Rede Ferroviária Federal de Alagoas, engenheiro Romildo Holiday e sua esposa Clandira, o jovem ator Bráulio Leite Júnior e sua talentosa esposa Edna Leite, a bela e promissora atriz Eunice Pontes, que morreu prematuramente, Florêncio Teixeira e tantos outros. Esse seleto grupo criou o Teatro de Amadores de Maceió – TAM, cuja presidência ficou a cargo de Romildo, amigo dos Oliveira de Pernambuco. O Teatro de Amadores de Maceió foi praticamente uma extensão do Teatro de Amadores de Pernambuco, com a mesma orientação técnica e artística e a igual opção estética. Ninguém poderá desmerecer o impacto de qualidade que essa influência nos legou. Em razão de divergência que tivera com integrantes daquele grupo, Linda Mascarenhas deixou-o, em 1955, para criar a ATA, Associação Teatral de Alagoas. Bráulio Leite Júnior, por sua vez, abandonou o Teatro de Amadores de Maceió e fundou no mesmo ano “Os Dionísios. No mesmo ano de 1955, enquanto Linda Mascarenhas fundava a Associação Teatral das Alagoas, eu criava o TEA – Teatro do Estudante de Alagoas. Linda fazia sua primeira aparição como atriz e diretora, na peça de sua autoria, ”Conflito Íntimo” e, eu, como diretor, na peça do carioca Renato Viana “O Divino Perfume”. As estréias dessas peças ocorreram em temporadas memoráveis no Teatro Deodoro. O Divino Perfume, que eu dirigi, revelou grandes atores entre os quais, Cybele Barbosa, Gilson Medeiros e Estácio Menezes. Cybele, nos anos subsequentes brilharia ao lado de Linda Mascarenhas, Gilson conquistaria lugar de destaque no amadorismo teatral da Paraíba, em cuja capital fixaria residência e Estácio de Menezes se tornaria encenador e grande cenógrafo.

Enquanto isso, o Teatro de Amadores de Maceió encenava seu último grande sucesso, a peça Massacre, de Huxley, dirigido por Willy Keller, diretor estrangeiro radicado no Rio de Janeiro. Para enfrentar o sucesso do TAM, Linda decidiu que teria de realizar um espetáculo do mesmo nível. Contratou, no Rio de Janeiro, Heldon Barroso, detentor de currículo no qual constavam Os Homens e as Armas, de Bernard Shaw e Mortos Sem Sepultura de Jean Paul Sartre. A peça escolhida foi a adaptação de Leo Victor do romance de Fiódor Dostoievski, O Idiota.

Certo dia, recebi um bilhete de Linda Mascarenhas, com quem ainda não tinha aproximação, para participar de um sarau em sua residência. O convite estendia-se a Cybele Barbosa. Dias depois, lá estávamos nós, na residência de Linda. A casa da grande senhora estava repleta de jovens amadores. Na oportunidade, Linda formalizou o convite para que eu e Cybele integrássemos a ATA, participando, como atores, de sua próxima montagem. Aceitamos o convite. “O Idiota” exigiu da ATA rico guarda-roupa e cenários magníficos. A montagem ganhou projeto de renomado cenógrafo e foi construído por competente equipe chefiada pelo saudoso José Cabral, sob a supervisão do próprio Heldon Barroso. Os protagonistas da peça foram Chiquinho Nemésio, no papel do príncipe idiota Liev Nikoláievitch Michkin e Pedro Onofre, encarnando o passional Parfen Rogójin. Surgia, compondo este triângulo, uma das grandes promessas do teatro alagoano, a excelente atriz Tereza Mendonça, que interpretou a enigmática Nastácia Filíppovna, alvo do amor dos dois homens, diferenciados em sua forma de sentir e expressar esse amor. Na peça, Linda Mascarenhas, aos 61 anos de idade, vitoriosa como autora teatral e diretora de cena, retorna como atriz, em alto estilo, no papel central de Lizaveta Prokófievna, numa das obras mais importantes da literatura universal, magistralmente adaptada para teatro por Léo Victor.

Anunciava-se para o primeiro mês do ano de 1957, a realização, no Rio de Janeiro, do grande Festival promovido pela Fundação Brasileira de Teatro presidida pela atriz Dulcina de Moraes. Convidada a participar dele, Linda mais uma vez traz do Rio de Janeiro o encenador Eldon Barroso, que se decidiu pelo texto “Noé”, peça em cinco atos, do francês André Obey. O diretor me escolheu, então, para viver a figura bíblica do grande patriarca. Os filhos de Noé e suas esposas foram encarnados, simultaneamente, por Chiquinho Nemésio e Leda Oliveira; Cid Oscar Augusto e Marisa Maia Gomes; José Messias e Tereza Mendonça. A preparação do papel de Noé talvez tenha sido o maior desafio que enfrentei como ator. Personagem principal, com longas falas em cinco atos, durante os quais praticamente não saia de cena, exigiu-me esforço imenso num curto período de dois meses de ensaios. A apresentação da ATA arrancou aplausos em cena aberta. O nível do Festival foi excelente, mas houve um momento diferenciado, quando se apresentou um grupo de jovens pernambucanos comandado por Clênio Vanderley. A peça tinha o título de O Auto da Compadecida; o autor era um jovem desconhecido chamado Ariano Suassuna. Naquele momento nascia ali, não apenas um dos maiores dramaturgos deste País, mas, uma Dramaturgia nova, nordestina, vigorosa, que deixaria perplexos não apenas os participantes do I Festival da Fundação Brasileira de Teatro, mas toda a crítica especializada. A partir daquele momento, O Auto da Compadecida conquistaria o mundo e se tornaria a mais autêntica expressão da dramaturgia nacional, carente, até aquele momento, de textos que refletissem na integralidade, as raízes culturais deste País.

Quando o Júri proclamou o resultado, dando à obra de Suassuna o prêmio maior, não houve contestação, mas um aplauso gigantesco, entusiástico, emocional. Ao chegar a Maceió, Linda já houvera concebido outro projeto. Sem que ninguém soubesse, manteve entendimentos com o grande diretor carioca Antônio Graça Melo que viria, tempos depois, para Pernambuco a fim de organizar o Departamento de Teatro da Universidade Federal daquele Estado. Contratado pela ATA, Graça Melo montou a peça do autor italiano Achilles Saitta, denominada “Mulheres Feias”, um melodrama moderno pontilhado de densa carga psicológica. Fui escolhido para fazer o papel central, ao lado de Linda Mascarenhas que representava uma mulher extremamente dominadora e egocêntrica. Participaram dessa montagem Cid Oscar Augusto, Chiquinho Nemésio, Orlando Góis, Nelita Serrano e Marisa Maia Gomes, substituída, depois, por Cibele Barbosa. Das peças anteriores, esta, a meu ver, mereceu o melhor desempenho de Linda. Dotada de voz pequena, possuía, contudo, qualidades invejáveis, como a de memorizar longos textos com facilidade e de se entregar de corpo e alma ao personagem, com disciplina irrepreensível. Graça Melo foi o melhor diretor teatral que conheci. Por intermédio dele, mantive os primeiros contatos com o Método de Stanislavsky. O projeto seguinte da ATA foi a montagem de uma peça de minha autoria, “Complexos”, estrelada e dirigida pela grande dama do teatro alagoano. Naquela época, face outros eventos que me influenciaram profundamente, estava convencido de que deveria criar o meu Grupo. Fundei o Teatro Cultura do Nordeste - TCN, no dia 16 de Setembro de 1959 (ainda hoje em atividade), com a proposta de apresentar um trabalho artístico comprometido com a realidade política e social do País. Embora, atuando no meu próprio Grupo, jamais deixei de freqüentar a residência de Linda e apoiá-la em seus projetos. Quando ela decidiu encenar a peça de Gianfrancesco Guarnieri, Eles Não Usam Black-Tie, indicamos, de muito bom grado, o ator Jofre Soares, para interpretar o sindicalista Otávio. No papel de Romana, Linda esteve impecável. Acredito, haja sido este o momento áureo de sua trajetória como atriz.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

IECPS – UM POUCO DE HISTÓRIA


O Instituto de Estudos Culturais, Políticos e Sociais do Homem Contemporâneo – IECPS foi fundado em 15 de janeiro de 1985 pelo dramaturgo Pedro Onofre, liderando um grupo de intelectuais alagoanos, como sociedade civil sem fins lucrativos, de natureza cultural, com o objetivo de promover a pesquisa cultural, histórica, social e antropológica; desenvolver a educação política, social e profissional das massas populares, prestando serviço social gratuito dentro das suas atividades específicas, como também estimular e fomentar a cultura em sentido amplo.

Durante muitos anos o Instituto funcionou na Rua Dr. Fernandes de Barros, nº 21, no centro de Maceió, ali desenvolvendo atividades previstas em seu Estatuto, tais quais cursos, oficinas, pesquisas, foros de debate, congressos e seminários, entre outros. O Instituto ajudou artistas e técnicos em espetáculos de diversões na criação de sua entidade de classe, o SATED/AL, a defender seu mercado de trabalho.

Desenvolveu atividades adicionais, promoveu o Teatro como forma de conscientização e orientação das massas populares. Com a peça Mundaú, Lagoa Assassinada, mantendo como órgão subsidiário o Teatro Cultura do Nordeste; grupo cênico criado por Pedro Onofre em 1959 apresentou-se não só no Teatro Deodoro, mas em espaços improvisados na periferia da Capital e em cidades do Interior esse espetáculo, contundente denúncia sobre a poluição criminosa de lagoas que circundam a grande Maceió.

Ainda através do Teatro, levou ao povo o problema agrário do nosso País, com a peça TERRA MALDITA, hoje convertida em filme, na qual denunciava o êxodo rural, a destruição da pequena agricultura de subsistência e a explosão do latifúndio, gerador de miséria e inchaço dos grandes centros urbanos, raiz do desemprego e da violência que hoje assolam as grandes cidades.

O Instituto realizou o Congresso Brasileiro de Produtores Culturais, importante evento que trouxe para Alagoas agentes públicos da área da Cultura, oriundos de todo o Brasil. Durante uma semana, doze eminentes especialistas, nove dos quais pertencentes aos quadros do Ministério da Cultura abordaram temas pertinentes ao debate, que tinha por escopo a definição de caminhos a serem seguidos pela produção cultural brasileira, com vistas ao seu desenvolvimento e afirmação.

Há duas décadas, o Instituto criou, em convênio com a Secretaria Estadual de Cultura e o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado de Alagoas, SATED, a Mostra Alagoana de Teatro e o Festival Estudantil de Teatro. Após ser considerado de Utilidade Pública Municipal Nº 4891 de 08 de novembro de 1999, o Instituto materializou sua grande realização com a instalação do Centro de Cultura e Belas Artes de Maceió – CCBAM, numa área física de 3.200 metros quadrados, no Tabuleiro dos Martins.

Pedro Onofre dirige A Beata Maria do Egito


Em 2010, Rachel de Queiroz completaria 100 anos de vida. Até agora ninguém se manifestou sobre isso em nossa triste Alagoas; mas a cearense tem muito a ver com a contribuição de Alagoas às letras brasileiras. Aqui, ela e seus amigos (acima citados) iniciaram oMovimento Regionalista que mudou a história da Literatura Brasileira.
Rachel também se dedicou à dramaturgia e uma de suas peças mais representadas foi "Beata Maria do Egito"(1958). Esse texto já foi montado (1960), pelo dramaturgo e cineasta alagoano, Pedro Onofre(foto).
Segundo Onofre, "a peça conta a estória de uma beata, fanática do Padre Cícero Romão Batista, que saíra pelo sertão nordestino aliciando jagunços para combater em favor do Juazeiro, contra as forças legalistas do governo do Ceará" - explica Pedro Onofre.
Esta peça foi encenada pela primeira vez em Maceió pelo Teatro Cultura do Nordeste, sob a direção do dramaturgo e diretor Pedro Onofre, com o seguinte elenco: Tenente-Jofre Soares; Cabo Lucas- Estácio de Menezes; Coronel Chico Lopes-Pedro Onofre e a Beata, interpretada pela atriz Elza Montenegro.
Agora, a peça está sendo mais uma vez montada pelo mesmo grupo Teatro Cultura do Nordeste, 50 anos depois, com Pedro Onofre na direção do espetáculo e interpretando o papel do Coronel Chico Lopes.
O elenco de 2010 é formado por atores preparados pelo grupo Teatro Cultura do Nordeste, localizado no Tabuleiro, hoje integraqntes do TCN, assim constituído: Tenente: Leandro Moreira; Cabo Lucas: Gidelson Silva; Coronel Chico Lopes: Pedro Onofre e a Beata Maria: Ana Paula.
A estréia desta peça homenagem ao centenário de Rachel de Queiroz deverá ocorrer no início de junho, em palcos alagoanos e de outros Estados nordestinos, inclusive Ceará.

SINOPSE DO FILME TERRA MALDITA


SINOPSE DO FILME TERRA MALDITA

Maria das Dores, integrantes do MST, nasceu num pequeno sítio no alto sertão alagoano. Com setenta anos de idade, conheceu ao longo da vida o gosto amargo da desgraça, da opressão e da tirania e testemunhou a concentração de poder cada vez maior nas mãos de alguns, o latifúndio expulsando os pequenos proprietários de suas terras e a miséria se espalhando nos campos e nas cidades. Filha única de um casal de pequenos agricultores foi criada pelo pai e o avô, romeiro fanático do padre Cícero do Juazeiro, com passagem pelo cangaço. Naquela época, ferido e muito doente, pediu permissão aos companheiros para morrer no sítio do filho, um pacífico agricultor chamado José Pedro. Ali, sobreviveu milagrosamente aos ferimentos e, a partir de então, abandonou o cangaço. Alguns anos depois desse episódio, nascia Maria de Jesus, que perde a mãe ainda criança. Maria de Jesus viveu ao lado do pai e do avô até os 15 anos de idade, quando a tragédia se abateu sobre suas cabeças. Nessa época, um truculento e desonesto chefe político, obstinado em apossar-se da pequena propriedade, e não encontrando alternativa para isso, manda exterminar o agricultor e toda a sua família. Durante a chacina, a jovem Maria de Jesus consegue escapar. Agora, sozinha, num mundo adverso, cheia de ódio e revolta, é amparada por uma facção das Ligas Camponesas, grupos de homens e mulheres que se organizavam como exército preparado ideológica e militarmente para a sobrevivência no campo. Durante o golpe militar, Maria de Jesus, já com formação marxista, é presa e torturada. Mais uma vez sobrevive. Com a redemocratização, os movimentos nos campos voltam a ser articulados. Ela integra-se ao MST e se dedica a alfabetizar homens, mulheres e crianças nos assentamentos. Desde então, sua família tem sido os sem-terras. Onde quer que sigam, acompanha-lhes os passos. Se lhe perguntam o que procura, o que espera da vida, não tem resposta. Não procura nem espera mais nada. Os sem-terra se tornaram a sua ligação com o passado, a extensão anônima da sua família, em meio aos quais há de em breve, ao fechar os olhos para a vida, finalmente apossar-se do pedaço de chão que sempre lhe foi negado.

terça-feira, 11 de maio de 2010